A conta chegou – Cidades da bacia do Piracicaba correm risco com eventos extremos
A prevenção sempre é muito mais barata que a remediação, portanto está passando da hora de se iniciar planejamento e projetos para enfrentar o “novo normal”.
A tragédia ambiental e humana (anunciada) que atinge o Rio Grande do Sul trouxe um cenário desolador de sofrimento, angústias e incertezas.
O cenário apresentado nos noticiários escancara o sofrimento dos desalojados e atinge nosso emocional. Cidades inteiras submersas, vidas paralisadas e com elas todas as atividades, uma dor que se manterá a curto, médio e longo prazos.
Na bacia hidrográfica do Piracicaba, principalmente as cidades de São Gonçalo do Rio Abaixo, João Monlevade, Rio Piracicaba, Nova Era, Antônio Dias entre outras, sabem o que é sofrer o impacto do desalojar pelas águas e correm o risco de sofrerem novas e maiores enchentes.
Fato comum na cultura brasileira se repete, tragédia após tragédia. Passada as cheias a população não mais toca no assunto, as autoridades buscam outros investimentos que não atende às questões ambientais e a degradação continua, sob todas as suas formas: ocupação urbana desordenada; revogação de legislação ambiental; adoção de regras mais permissivas para loteamentos e construção civil; supressão de vegetação natural; impermeabilização do solo entre tantas outras ações que contribuem para a tragédia.
Infelizmente, como já publicado aqui nesse periódico, a população terá que aprender na dor. A realidade é essa, a natureza se impõe. Todos serão afetados, mais cedo ou mais tarde, os mais pobres, base da pirâmide, sofrerão mais. A conta chegou e vem com juros altos e correção.
Mudanças de comportamento
Vale ressaltar que não é só de investimento que o quadro será alterado, mas é urgente a mudança de comportamento de toda população, e essa mudança não virá tão facilmente – mais uma vez, o sofrimento será a base desse aprendizado.
Como tudo termina nos municípios, é neles que as mudanças deverão ter início – com envolvimento de toda sociedade local, implemento de políticas públicas diante esse novo normal, evitando com isso engrossar os números das estatísticas de tragédias que se avizinham.
Soluções
Já pensou uma cidade receber uma chuva tão forte quanto a que o estado do Rio Grande do Sul recebeu nos últimos dias e, ainda assim, nenhum morador sofrer com enchente? Isso já é possível, graças a projetos de infraestrutura de cidades que observam e respeitam a natureza, como o projeto “Cidades-esponja”.
O tema já foi exaustivamente tratado aqui neste periódico, mas não causou impacto e nem chamou a atenção de nenhuma autoridade.
Ainda que pareça um conceito complexo e distante, projetos de cidades-esponja de Kongjian Yu, arquiteto pai do conceito, já foram implementadas em mais de 200 cidades na China e no mundo. Mas, além delas, a capital da Dinamarca, Copenhage, e até a gigante megalópole Nova Iorque já aderiram ao conceito.
Algumas cidades brasileiras também já utilizam o conceito há algum tempo, como Curitiba e outras iniciam obras seguindo a tendência, como Salvador e São Paulo.
Com jardins de chuva, solo permeável, telhados verdes e parques alagáveis, as cidades-esponja simplesmente incorporam a vegetação nativa e a biodiversidade ao ambiente urbano, e o deixam mais resilientes às chuvas.
Novo normal
A crise climática tem acentuado as mudanças de quantidade de chuvas, provocando secas ou tempestades com grande volume de água, que resultam em enxurradas que podem causar um grande dano à infraestrutura urbana. Para combater isso, a cidade-esponja é uma solução que conta com uma infraestrutura verde para operar a infiltração, absorção, armazenamento e, até mesmo, purificação dessas águas superficiais.
Mas, afinal, o que é uma cidade-esponja?
São cidades projetadas para que a água da chuva seja mantida e absorvida no local onde ela cai através de sistemas de drenagem urbana sustentáveis locados a partir de sua infraestrutura verde. Ou seja, ela está preparada para reduzir os danos de alagamentos, inundações e enchentes.
As tecnologias de uma infraestrutura verde envolvem elementos que permitem uma maior permeabilidade no solo para uma absorção da água pluvial. Entre elas podemos destacar: parques, pavimentos drenantes, jardins de chuva, poços de infiltração e retenção, jardins e plantações de agricultura urbana, paredes e coberturas verdes.
Além disso, todos esses elementos podem ser combinados com o sistema viário e os edifícios construídos na cidade – que, nesse caso, cumprem com uma agenda coletiva social – para auxiliar no fluxo natural da água em caso dela não ser completamente retida.
Conhecimento e benefícios
A partir de uma equipe multidisciplinar que integre diferentes órgãos municipais e áreas de conhecimento, é necessário criar um banco de dados e análises detalhadas com informações sobre a bacia hidrográfica, estudos do solo, precipitações, escoamento, insolação, ventos, para projetar as intervenções em busca de um melhor aproveitamento. Sendo assim, trata-se de um planejamento de longo prazo, mas que resulta em muitos benefícios. Afinal, além de diminuir o risco de enchentes e alagamentos, trabalha-se a qualidade da água, tornando-a mais limpa e possibilita o seu reuso. Além disso, outros importantes pontos podem ser citados como a melhoria do microclima e valorização do solo urbano, já que o aumento de zonas verdes combate diretamente as ilhas de calor, aumentam a biodiversidade, trazem lazer para a população e, dependendo da quantidade, ajudam na qualidade da água subterrânea e no final promovem a boa qualidade de vida para o cidadão.