Cemaden alerta Defesa Civil e pede para antecipar ações
De Norte a Sul, a previsão para os próximos meses é de mau tempo, advertem cientistas da instituição oficial de alerta do Brasil, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Não importa se o céu está cinza ou azul. Onde o sol brilhar, deve secar e esquentar. Onde chover, pode inundar e desabar. É o clima em tempo de El Niño combinado ao aquecimento sem precedentes dos oceanos que ocorre este ano. O El Niño se intensificou desde o fim de agosto e já alcançou a categoria forte. E não apenas isso.
O mais temido dos fenômenos climáticos pode se manifestar de várias formas e este se configurou como o de pior tipo para a América do Sul. Este é um El Niño Leste, mais concentrado na costa do continente do que no centro do Pacífico e que, por isso, traz mais risco para os países sulamericanos.
Isso significa perigo de mais anomalias de chuva no Brasil, alerta uma nota técnica preparada pelo Cemaden.
Além disso, esse é o primeiro El Niño num momento de mudanças climáticas em curso. Não apenas o Pacífico, mas o Atlântico também está anomalamente quente, o que aumenta o risco de extremos, pois há mais energia na atmosfera para alimentar tempestades e fomentar períodos de seca.
José Marengo, coordenadorgeral de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden, considerado um dos climatologistas mais influentes do mundo, explica por que esse El Niño preocupa:
Temos uma situação diferente do El Niño de 20152016, que também foi forte. Pois 2023 já estava extremo antes do El Niño e este mal começou. O pico deve ser em dezembro, e ele provavelmente irá até o outono. O Atlântico também está mais quente, o que favorece tempestades. No Sul está complicado, o solo já se encontra muito saturado, acentua Marengo.
O El Niño varia muito de um evento para outro no Sudeste. Mas, devido às condições do Atlântico, os cientistas alertam para o risco de inundações bruscas e enxurradas nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Evitar mortes e reduzir danos
A nota propõe ações de preparação e prevenção. A diretora substituta do Cemaden, Regina Alvalá, frisa que a sociedade brasileira precisa estar informada e saber como agir. E sublinha que o elo mais fraco é a gestão do risco.
A função da nota técnica é subsidiar com dados os tomadores de decisão. Não se pode impedir um extremo climático, mas é possível evitar mortes e reduzir danos com a combinação de previsão, alerta, prevenção e preparação. Não adianta emitir um alerta, se só houver ação depois que a chuva caiu — destaca Alvalá.
O coordenadorgeral de Operações do Cemaden, Marcelo Seluchi, ressalta que o clima este ano está tão instável que áreas que não eram consideradas de risco passaram a ser. É o caso de Muçum, a cidade gaúcha devastada pelas chuvas do início de setembro.
Muçum foi bem construída e não tinha elementos de alto risco. Mas estamos numa situação anômala. Muçum é o símbolo de uma nova era climática. Estamos escrevendo uma nova história de fim incerto. Não podemos impedir a chuva ou a seca, mas podemos reduzir seus impactos e salvar vidas — afirma Seluchi.
Atuação da Defesa Civil
As projeções serão constantemente atualizadas porque o clima é dinâmico e em 2023 tem a marca da instabilidade.
Os alertas oficiais são os do Cemaden. Não se trata de previsão do tempo. Um alerta de desastre leva em conta vulnerabilidades sociais, aspectos geográficos, geológicos, hidrológicos e uma série de outros fatores. Quando alertamos, é para se preparar. A Defesa Civil precisa atuar mais na prevenção e não apenas na resposta — enfatiza Alvalá, que também é coordenadora de Desastres Naturais, da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima).
Ela salienta que a margem de acerto do Cemaden para alertas de risco muito alto é superior a 95. Para de risco alto é de 70, percentual igual ao do Japão, padrão ouro para alertas de desastres.
O Cemaden monitora 22.441 áreas de risco de deslizamentos e 7.208 áreas de risco de enchentes em 1.038 municípios brasileiros. À medida que o clima se torna mais instável, as áreas monitoradas devem aumentar, diz Seluchi.
Ela observa que ação não é só resposta. É preciso chegar antes, alertar e orientar a população, remover as pessoas. Não adianta só mandar SMS e tocar sirene, quando já está chovendo ou prestes a chover. Os municípios precisam ter planos de contingência, acrescenta.
A nota técnica traz recomendações que vão desde determinação prévia de abrigos, treinamento de equipes e de comunidades em áreas de risco e garantia de estoque de cestas básicas e kits de emergência. Chama atenção ainda para o controle de doenças transmitidas por mosquitos, como dengue e chicungunha. E para danos à saúde por excesso de calor.
O número de mortes no sul poderia ser muito menor se a população fosse evacuada antes para lugares seguros. A gente tem conseguido alertar. É importante que entendam que os alertas não indicaram áreas específicas, mas regiões de risco.
Os especialistas informam que o Atlântico Sul está com anomalias de calor que, caso persistam, significarão que o Sul e o Sudeste poderão ter mais tempestades: Se o Atlântico não mudar, será terrível, lamenta Seluchi.
O El Niño é uma forma de o Pacífico liberar calor e ele é tão grande que impacta o clima de forma planetária. Na atual conjuntura, o Centro do Brasil ficará mais seco e o Sul com chuva mais concentrada.