Mistério na lama: Uma enchente diferente

Criada força-tarefa de voluntários para coleta de amostras de lama no Quadrilátero Ferrífero

Em 1979 uma enchente que durou quase 30 dias encobriu casas, plantações, ruas, estradas e durante cerca de 42 anos permaneceu como a maior de todas até meados de janeiro de 2022.

Em 1979 teriam sido cerca de 28 dias de chuvas ininterruptas: “As paredes internas das casa começaram a umidecer diante tanta chuva, não tinha essa de estiagem não, foi chuva direto”, lembra uma testemunha da época.

Claro que, após esses 42 anos muita coisa mudou em termos de uso e ocupação do solo, com perda de cobertura vegetal, permeabilização do solo além das condições climáticas, mas bastaram apenas pouco mais de uma semana de chuvas para os rios, numa velocidade espantosa, engolir cidades inteiras.

Como se não bastasse a velocidade da subida das águas, outras situações chamaram a atenção dos ribeirinhos, acostumados a lidar com as cheias periódicas dos rios da região – o odor forte das águas e o peso da mesma, carregadas de lama.

Tão logo as águas baixaram outros aspectos chamaram a atenção – a quantidade de minério junto à lama que, com pouco tempo praticamente se solidificou nas áreas atingidas.

As prefeituras que atuaram na limpeza das vias públicas e auxiliando moradores a limparem suas residências encontraram muita resistência quando na tentativa de retirar o material, destacando principalmente o desentupimento dos bueiros: “Tivemos que utilizar caminhões com bombas de alta pressão, encontramos muita dificuldade para desobstruir os diversos bueiros aqui das áreas atingidas”, comentou um funcionário da prefeitura de João Monlevade que atuou na recuperação do bairro Vera Cruz.

O fato se repetiu em diversas cidades da região, precisamente nas cidades do quadrilátero ferrífero.

Nessa mesma região diversos flagrantes de incidentes com barragens foram registrados, como o caso Vallourec, em Nova Lima, que fechou a BR 040 por vários dias.

Em Rio Piracicaba um flagrante na estrada do “Pantame”, com um verdadeiro mar de lama, que seria do vertedouro da Barragem do Monjolo, assustando os transeuntes e tomando conta da estrada. Também na cidade de Rio Piracicaba a Barragem do Elefante era elevada a nível 1 de emergência.

Importante lembrar que Minas Gerais tem pelo menos 31 barragens de rejeito em situação de emergência, sendo que na Bacia Hidrográfica do Rio Piracicaba se encontram uma em nível 3 – o mais alto em risco de rompimento – Sul Superior em Barão de Cocais e outras também em estado de emergências distintos, níveis 1 e 2.

Somadas a tantas circunstâncias merece lembrar que os moradores ribeirinhos do Rio Piracicaba há muito culpam mineradoras pela “vermelhidão” do rio sempre que se inicia o período chuvoso.

Basta chuviscar que o Piracicaba é tomado por lama.

Essa situação já gerou diversas denúncias sendo que algumas foram parar no MPMG e resultaram em confirmação de responsabilidade da Vale por carreamento de material de suas operações para o rio.

Rede técnica de monitoramento

Diante da situação, preocupados com a contaminação/degradação dos recursos hídricos da região do Quadrilátero, tevê início um programa de coleta de amostras (água de rio, água residencial e lama de enchente) para elucidar várias suspeitas quanto aos eventos de “vazamento” de barragens na região. A ação foi abraçada por vários profissionais compromissados com essa iniciativa que vem ganhando a adesão de vários apoiadores.

Inúmeros voluntários promoveram coletas em Rio Piracicaba, João Monlevade, Nova Era, São Gonçalo do Rio Abaixo, Santa Bárbara, Rio Acima, Raposos, Itabirito, Ouro Preto e Nova Lima.

O trabalho de coleta recebeu orientação técnica objetivando garantir a qualidade das amostras, com, inclusive, registro de testemunhas no ato, filmagens, fotografias entre outras formas de validar o trabalho.

Conforme a Rede informou, até este momento já são mais de 55 amostras cadastradas (16 de água e 39 de lama de enchente). Posteriormente deverá ser gerado um mapa com a distribuição geográfica e situação de todos os pontos amostrados.

A Rede de especialistas (pesquisadores e professores) já participantes está se ampliando rapidamente e a força-tarefa, ora em construção, calcada na abnegação e esforço de tantos voluntários, está se consolidando a cada dia.

tp

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