Chovendo no molhado?
Para demonstrar como os governos vêm ignorando alertas sobre mudança climática e o planejamento integrado das cidades, o manifesto mais contundente vem sempre dos próprios rios.
As enchentes que em 2018/19 atingiram as regiões metropolitanas de São Paulo e Belo Horizonte, e esse ano vários pontos do país, deixaram evidente o quanto as nossas cidades estão despreparadas para eventos climáticos extremos. Cientistas e especialistas têm alertado que esses eventos tendem a se intensificar daqui para frente e se repetir em intervalos cada vez mais curtos.
Para demonstrar como esses alertas e o planejamento integrado das cidades, regiões metropolitanas e bacias hidrográficas não são priorizados pelos governos, o manifesto mais contundente vem sempre dos próprios rios. As águas ressurgem violentamente após as chuvas, demonstrando que canalizar, tampar e retificar rios, ocupando suas margens, é um erro. Esse modelo urbanístico, que escondeu e estreitou os rios, roubou-lhes suas matas ciliares e impermeabilizou o solo, não se adequa às mudanças climáticas.
As enchentes não podem ser atribuídas somente às chuvas, por mais intensas que são, pois há um vasto acúmulo de conhecimento, de recomendações técnicas e planos para solucionar esse problema, como o de macro e micro drenagem. Essas técnicas reúnem um conjunto de ações e estratégias que precisam ser implementadas de forma integrada e continuada. A segurança hídrica depende da gestão integrada da água e do solo e da proteção das matas, em especial nas áreas de manancial.
Neste momento é muito importante redobrar a atenção para a necessidade de ações preventivas. A própria ONU (Organização das Nações Unidas) recomenda a urgente adoção de soluções baseadas na natureza para que as cidades possam se adaptar às mudanças do clima.
As várzeas e áreas verdes exercem a função de esponja, aumentando a infiltração da água no solo. Por esse motivo, é urgente a recuperação dessas áreas, em especial nos trechos alterados por ocupações irregulares, com realocação e reassentamento das moradias existentes para áreas seguras, dotadas de saneamento básico e infraestrutura.
É preciso também cobrar das autoridades atenção para o aumento de ocupações irregulares em áreas de risco e sem serviços de saneamento básico.
Já passou da hora de as cidades brasileiras aplicarem um desenvolvimento que seja, de fato, justo, inclusivo e sustentável.
Conceito cidade esponja
As leis de uso do solo devem ser analisadas com maior critério para estimular o planejamento das cidades com ampliação de áreas verdes, de pavimentos permeáveis, calçadas e telhados verdes, sistemas de bacias de contenção e ecopiscinões associados a praças e jardins de chuvas, parques e equipamentos de convívio social e lazer. Essas medidas podem trazer melhorias no microclima e na saúde, e contribuir para minimizar os impactos de eventos extremos como esses.