Barragem Xingu ameaça bacia do Piracicaba
Interditada, após vistoria da ANM, barragem da Vale permanece em nível 2 de alerta desde o ano passado.
Alegria / Mariana – Não bastasse as tragédias de Bento Rodrigues e Brumadinho, que até hoje não tiveram suas feridas cicatrizadas, agora mais uma barragem da Vale ameaça cidades, distritos, cursos dágua e a vida.
Após vistoria realizada pela Agência Nacional de Mineração (ANM) no dia 15 de junho, a barragem do Xingu, que fica na Mina da Alegria, em Mariana, se manteve em nível 2 de emergência (classificação que vai até o nível 3).
“Depois que fizemos a vistoria hoje e avaliamos a documentação apresentada, verificamos que não houve nenhuma mudança do ano passado para este ano. Como não houve nenhuma alteração nas condições da barragem, a barragem continua no nível 2 de emergência”, disse o representante da ANM Claudinei Cruz.
A nova vistoria da ANM na barragem Xingu atende a um pedido da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, que acionou o órgão federal após a interdição das atividades pela Superintendência Regional do Trabalho, sob alegação de risco de morte de trabalhadores em caso de ruptura.
Os auditores-fiscais suspenderam as atividades executadas pelos trabalhadores que atuavam sobre a crista, nos taludes à jusante, na área sobre rejeitos à montante e na mancha de inundação, região que pode ser atingida por lama caso haja ruptura da barragem.
A estrutura que, segundo a mineradora Vale, deixou de receber rejeitos em 1998, foi interditada pela ANM em março do ano passado, quando passou para o nível 1 de emergência. Em 1° de setembro, passou para o nível 2, quando foi realizada uma inspeção pela ANM e a Fundação Estadual de Meio Ambiente.
Em nota, a agência disse que fez “várias exigências” e que a mineradora cumpriu “algumas” e pediu prorrogação de prazo para outras, mas não deu detalhes. De acordo com a Feam, foram encontradas erosões e ausência de proteção vegetal em vários pontos da estrutura.
A fundação também confirmou que havia camadas de material com teor mais argiloso, intercaladas por camadas de material arenoso na base dos taludes, “sem evento pluviométrico correlacionado”.
Até a época da vistoria, a estrutura era classificada nos órgãos ambientais como “empilhamento drenado”. Após a inspeção, os agentes fiscalizadores constataram incompatibilidade na classificação e na sua utilização.
Vinte dias depois, a mineradora alterou a nomenclatura para “barragem” e apresentou um projeto para a descaracterização da estrutura, trabalho que, segundo a empresa, vinha sendo realizado no local.
O Ministério Público de Minas Gerais disse que, após esta nova vistoria da ANM, se for constatada irregularidade na mudança de classificação, “apurações subsequentes serão realizadas”.
O que a fiscalização do Trabalho encontrou
A fiscalização feita pela Superintendência Regional do Trabalho na barragem foi realizada pelos auditores-fiscais no dia 20 de maio, após análise de documentos apresentados pela mineradora.
“A análise dos documentos apresentados pela própria empresa revela que a barragem Xingu não apresenta condições de estabilidade, com alguns fatores de segurança para situações não drenadas inferiores a 1,0, oferecendo risco significativo e iminente de ruptura. Trata-se, portanto de situação de extrema gravidade que coloca em risco trabalhadores que executam atividades, acessam ou permaneçam sobre a crista, nos taludes à jusante, na área de inundação e na área sobre os rejeitos à montante da barragem”, afirmou a superintendência em nota.
Ainda de acordo com a SRTE, engenheiros e técnicos responsáveis pela barragem relataram que o rejeito despejado na Xingu não era drenado e era lançado de “forma errática”, ou seja, não havia controle do que era depositado no local.
Na avaliação dos auditores, intercalar rejeitos mais granulares com finos (pouco drenantes) pode criar o efeito de “lençóis freáticos empoleirados”, o mesmo que ocorreu na barragem B1 de Córrego do Feijão, em Brumadinho. A estrutura se rompeu em janeiro de 2019, matando 270 pessoas.
Para a suspensão da interdição, segundo a Superintendência, será necessária a adoção de medidas técnicas necessárias para garantir a estabilidade da barragem de contenção de rejeito, de forma que o risco de ruptura iminente seja eliminado.
A Superintendência deu à Vale prazo até 1º de junho para apresentação de novos documentos. Mas a mineradora não apresentou “nenhuma medida efetiva implementada que caracterize a eliminação ou mitigação dos riscos aos trabalhadores próprios ou terceiros que laboram ou transitam na ZAS do barramento Xingu, mormente os trabalhadores da rede férrea e motoristas de veículos e caminhões, que se pretende fazer circular à jusante do barramento”, informou a SRTE.
Nem mesmo apresentou, segundo a SRTE, estudos e laudos técnicos que comprovem que o risco de ruptura foi eliminado ou provas de que houve restabelecimento de condições mínimas de estabilidade da barragem.
A paralisação, segundo a SRTE, só não vale para serviços necessários para a estabilização da barragem, desde que todas as medidas de segurança sejam adotadas.
Segundo a Agência Nacional de Mineração, e a Defesa Civil Estadual, toda a área conhecida como Zona de Auto Salvamento já foi evacuada.
Caminho da lama
No caso de um colapso da Barragem Xingu, que fica a poucos metros do Rio Piracicaba, a lama desceria atingindo em pouco tempo o distrito de Santa Rita Durão. Posteriormente a próxima comunidade a ser atingida seria o Distrito de Fonseca – Alvinópolis. Continuando sua rota de destruição a lama atingiria inúmeras comunidades rurais no município de Rio Piracicaba e a própria sede do município. Os bairros Tietê, Amazonas e Santa Cruz, em João Monlevade seriam atingidos em seguida. Bela Vista de Minas, Nova Era, Antônio Dias, Timóteo, Coronel Fabriciano e Ipatinga completariam a rota do horror até, mais uma vez, o Rio Doce ser atingido por mais lama de mineração.
Fonte: G1 Minas e TV Globo — Belo Horizonte