Se preparem para eventos extremos
“Neve, ciclone bomba, tempestades, enchentes, seca severa, incêndios florestais devastadores: o clima enlouqueceu”
Um fenômeno do clima do qual pouco havia sido falado no Brasil, o ciclone bomba, com rajadas de vento que ultrapassaram 130 km/h, deixou um rastro de destruição em mais de 135 municípios catarinenses e dez mortes no meio do ano.
O ciclone bomba é, até aqui, era o fenômeno mais surpreendente de um ano marcado por eventos climáticos extremos no Brasil: as fortes chuvas que causaram enchentes e deslizamentos no Sudeste no início do ano; a estiagem que castiga o Paraná há meses e já é uma das piores da história; tornados que têm atingido o estado de Santa Catarina; a seca que provoca queimadas devastadoras no Pantanal; e a onda de frio recente que fez nevar em diferentes regiões do Sul.
Uma situação que não é diferente mundo afora, onde se intensificam os furacões, os grandes incêndios florestais e as temperaturas extremas. Episódios que vão ao encontro de um alerta feito no início do ano pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU). “Infelizmente, esperamos ver muitos eventos climáticos extremos em 2020 e nas próximas décadas, alimentados pela emissão de níveis recordes de gases de efeito estufa que retêm o calor na atmosfera”, disse em janeiro o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas.
Um estudo mostrou que, em quase quatro décadas, o número de cidades brasileiras afetadas por desastres naturais dobrou, passando de aproximadamente 17 mil para quase 34 mil. Já o número de eventos ocorridos nesse mesmo período passou de 5 mil para cerca de 33 mil, indicando que muitas cidades sofreram mais de um desastre. Esse crescimento se acentuou principalmente na última década, com uma quantidade de eventos 120% maior que na década de 2000.
Aquecimento global intensifica fenômenos
O coordenador de monitoramento da The Nature Conservancy Brasil, Mario Barroso, explica que essa análise é um indicativo de que eventos climáticos extremos tendem a se tornar cada vez mais frequentes. “Há grandes indícios de que as alterações na atmosfera geradas pelo aquecimento global são responsáveis por essa transformação, uma vez que causam mudanças na circulação de massas de ar frio e quente. Eventos meteorológicos inéditos ou de ocorrência muito rara acontecem quando há alterações de temperatura, por isso há uma tendência de eles aumentarem nas próximas décadas”, afirma.
“As mudanças climáticas provocadas pela ação humana influenciam a probabilidade e a severidade de eventos climáticos extremos. Secas, chuvas intensas, ondas de calor e furacões são eventos que, dependendo da região, são esperados de tempos em tempos. No entanto, uma cheia ou seca extrema que ocorreria a cada cem anos passa a ter recorrência a cada dez anos, e a estação de furacões com um furacão de intensidade máxima passa a apresentar dois ou três”, acrescenta o pesquisador.
Importância das Bacias hidrográficas
“Um dos principais efeitos, seja decorrente do aumento ou diminuição de chuvas, está diretamente relacionado ao que se faz nas bacias hidrográficas. É preciso ter um planejamento para essas bacias, seja no sentido de armazenar água, ou de suportar grandes quantidades de chuva sem causar inundações. É um conjunto de ações que se fazem necessárias para lidar com a escassez e o excesso de água”, observa Barroso.
Clima e economia
O pesquisador enfatiza que as consequências dos eventos climáticos extremos vão muito além de prejuízos materiais e pontuais. “Uma estiagem prolongada afeta a produção de alimentos. Diminuindo a produção, aumentam os preços. Aí temos inflação alta, que desvaloriza os salários e, assim, toda a sociedade é afetada. Por isso, os governos precisam se preocupar também com os conflitos sociais decorrentes das mudanças climáticas.”
Como podemos nos precaver da fúria do clima?
Para os pesquisadores, há uma série de medidas que podem ser adotadas pelo poder público no sentido de mitigar as causas e efeitos dos eventos climáticos extremos: atuação conjunta dos estados, elaboração de planos de atuação, monitoramento de áreas de risco, recuperação e preservação das florestas, investimento em matrizes energéticas renováveis. “Mas o principal, a meu ver, é a educação geral da sociedade: fazer com que ela entenda a relação entre o que ela faz na natureza e o que está acontecendo agora. Esse entendimento é que vai gerar o aumento da conscientização e melhores respostas a esses eventos”, conclui Barroso.”