Coronavírus na água e no esgoto
O ano de 2020 ficou marcado pelo surgimento de um novo coronavírus humano, o SARS-CoV-2, vírus que causa a doença COVID-19. Com a ampla disseminação do vírus, a COVID-19 tornou-se problema de saúde global, devido à possibilidade de causar graves infecções do trato respiratório humano, que podem ser fatais.
As transmissões de humano para humano ocorrem principalmente pela via respiratória, através de gotículas expelidas pela pessoa contaminada; e pelo contato, uma vez que as gotículas podem se depositar sobre superfícies (nas quais o vírus permanece viável durante um período de tempo) com as quais outras pessoas podem ter contato. O tempo de incubação do vírus em humanos varia de 1 a 14 dias, facilitando sua propagação.
Nesse sentido, a garantia de fornecimento de água potável de qualidade, que constitui um direito fundamental inerente à pessoa humana, e a provisão de condições de saneamento adequadas são fatores essenciais para a segurança e proteção da saúde da população, especialmente durante surtos de doenças infecciosas.
Como a estrutura do vírus que transmite a COVID-19 se assemelha a de outros coronavírus, alguns estudos conduzidos com outros vírus da mesma família trazem informações importantes.
Um estudo publicado por Casanova e colaboradores identificou a persistência de vírus semelhantes ao SARS CoV-2 em águas naturais e no esgoto por mais de 10 dias. Esses autores também relataram a possibilidade de contaminação por meio de gotículas (aerossóis) provenientes do esgoto infectado.
Abastecimento de água para consumo humano
Não há relatos de que o vírus transmissor da COVID-19 tenha sido detectado na água de abastecimento público em que o tratamento inclui a etapa de desinfecção.
Os métodos convencionais de tratamento de água para potabilização, utilizados pela grande maioria dos sistemas de abastecimento público no Brasil, já dispõem dos processos de filtração e desinfecção, que devem remover ou inativar o vírus que causa a COVID-19.
O agente desinfetante deve ser aplicado na estação de tratamento, visando a eliminação imediata do vírus. Além disso, deve ser mantido um residual, para garantir a eliminação caso ocorra alguma contaminação no sistema de distribuição (rede e reservatório).
A eficiência da desinfecção é função de diversos fatores, como tempo de contato com a água, dosagem, tipo de agente químico, intensidade e natureza do agente físico utilizado como desinfetante e tipos de organismos.
O cloro em sua forma gasosa e seus derivados, como hipoclorito de cálcio ou de sódio, é o produto mais utilizado na desinfecção de águas nas ETAs brasileiras. Na forma de hipoclorito de cálcio ou de sódio, o emprego de cloro normalmente se restringe às ETAs menores. Devido ao baixo custo e eficiência, o cloro é amplamente utilizado na desinfecção de águas para potabilização.
A Portaria de Consolidação MS n. 05/2017 (Anexo 4 do Anexo XX – Origem: PRT MS/GM n. 2914/2011) estabelece que, após a desinfecção, a água deve conter um teor mínimo de cloro residual livre de 0,5 mg/L, sendo obrigatória a manutenção de no mínimo 0,2 mg/L em qualquer ponto da rede de distribuição, recomendando-se que a cloração seja realizada em pH inferior a 8,0 e em tempo de contato mínimo de 30 minutos.
Atenção: É de grande importância que os responsáveis pelos sistemas de abastecimento público procedam a desinfecção da água antes da distribuição. A etapa de desinfecção da água tem caráter preventivo e corretivo. No entanto, há, ainda, muitos municípios brasileiros cujas águas de abastecimento público não são submetidas à etapa de desinfecção antes da distribuição.
É obrigatório que as águas de abastecimento público recebam o tratamento com a etapa de desinfecção. As águas provenientes de mananciais superficiais devem incluir os processos de filtração e desinfecção, cumprindo o que determina a Portaria de Consolidação MS no 5/2017.
Nos locais onde não há tratamento de água e distribuição segura, pode-se evitar a disseminação do coronavírus nas próprias residências, adotando-se a adição de hipoclorito de sódio (2,5%), conforme dosagens especificadas a seguir, deixando a água em repouso por 30 (trinta) minutos, após a adição do hipoclorito:
● Para um volume de água de 20 litros, adicionar 2 mL de hipoclorito de sódio (2,5%). O volume de hipoclorito a ser adicionado corresponde a uma colher de chá.
● Para um volume de água de 1 litro, adicionar 0,08 mL de hipoclorito de sódio (2,5%), que corresponde a duas gotas.
Ressalta-se que a ebulição (fervura) da água (durante 1 ou 2 minutos) constitui um método de desinfecção eficaz, mas pouco acessível, na prática, às condições da maior parte da população. É um procedimento oneroso e só deve ser recomendado em situações de urgência e na falta de outro método de desinfecção, como, por exemplo, o da cloração.
A instalação dos cloradores simplificados por difusão pode ser uma boa alternativa a ser adotada em comunidades. No entanto, essa medida também deverá ser orientada por profissional da área.
Águas engarrafadas
Devido à baixa confiança da população em muitos dos sistemas de abastecimentos de água de cidades brasileiras, o consumo de águas engarrafadas no Brasil cresce à taxa de 7,6% ao ano, conforme dados da Associação Brasileira de Indústria de Água Mineral- ABINAM, de modo que o país já é o 4º produtor mundial. Assim, uma parcela da população brasileira tem nas águas “minerais” sua principal (ou única) fonte de água de beber.
No que concerne à prevenção ao novo coronavírus, algumas medidas podem ser recomendadas, principalmente quanto à manipulação dos garrafões (bombonas) de maior volume, geralmente da ordem de 10 a 20 litros:
● Antes de manipular os garrafões, o usuário deve lavar bem as mãos;
● As embalagens cuja vedação esteja violada ou fora do prazo de validade
devem ser recusadas pelo usuário;
● Antes da abertura da embalagem, a parte externa dos garrafões deve ser cuidadosamente lavada com bucha (destinada somente a este fim) e sabão ou detergente neutro, com especial cuidado na área próxima à “boca” da garrafa; após isso, o usuário deve remover completamente a tampa do garrafão (e não apenas furá-la) e higienizar a parte que era recoberta pela tampa com papel toalha ou tecido limpo (exclusivo para este fim) e solução de hipoclorito a 0,05% (preparar com duas colheres de sopa de água sanitária em um litro de água). Na ausência de hipoclorito, recomenda-se utilizar álcool a 70%.
● Bebedouros ou dispositivos similares devem ser limpos e higienizados na frequência e conforme os procedimentos recomendados pelo fabricante.
Esgotos domésticos
No Brasil, 43% da população possui esgoto coletado e tratado, enquanto 12% utilizam-se de fossa séptica (solução individual), ou seja, 55% possuem tratamento considerado adequado; 18% têm seu esgoto coletado e não tratado, o que pode ser considerado como um atendimento precário; e 27% não possuem coleta nem tratamento, isto é, sem atendimento por serviço de coleta sanitário.
Dispor o esgoto sem o adequado tratamento degrada a qualidade das águas receptoras, causando impacto na saúde da população, além de comprometer os usos a jusante, como abastecimento humano, balneabilidade, irrigação, dentre outros.
De acordo com o conhecimento disponível atualmente, o risco de transmissão do vírus que causa a COVID-19 por meio de sistemas de esgoto é baixo, quando existe coleta e tratamento (com desinfecção). Cabe destacar que a etapa de desinfecção de esgotos não é exigida e, portanto, não é praticada no Brasil, o que torna o risco de contaminação alto.