Muita estrutura, pouca informação

Vale monta mega estrutura para uma Audiência Pública, sem efeito legal, e não consegue responder questionamentos levantados pela comunidade

A Audiência Pública agendada para acontecer nessa quinta-feira, 5 de março, em Catas Altas, para tratar da ampliação do Complexo do Fazendão, foi mantida pela Vale, apesar que a mesma se apresentava sem efeitos legal, já que o licenciamento que seria debatido caiu após o Codema e o Compac terem derrubado as cartas de anuência para a empreitada e ainda a prefeitura, através do Decreto nº 36/2020 que revoga a Declaração de Conformidade que havia sido expedida em 02/06/2015, ter explicitado que o projeto de expansão, da forma como posto, não atendia a legislação municipal no que diz respeito a reativação das minas de Almas e Tamanduá.

Apesar de não ter efeito legal, a Vale montou uma mega estrutura para o evento – que deixou de ser Audiência Pública passando a ser apenas uma reunião de comunidade – apesar que, durante o evento, fosse tratado como tal.
Detalhe que chamou a atenção também foi a segurança reforçada.

Moradores, diante o investimento na estrutura indagavam sobre qual seria a intenção da empresa para tanto: “Demonstrar poder?”, questionam alguns, comentando ainda que o investimento seria mais aproveitando em algum projeto da comunidade.

Durante as manifestações dos inscritos, um cidadão chegou a criticar a estrutura: “Acham que passaram mel na boca da comunidade com tudo isso aqui? Já estamos calejados, disparou.

Sobrou estrutura, faltou informações

Se por um lado sobrou estrutura e a empresa se esforçou em ostentar organização, por outro esqueceu do principal que era justamente esclarecer e informar à comunidade sobre o projeto, seus desdobramentos e ainda responder aos questionamentos da comunidade. Muitos entraram com algumas dúvidas e saíram ainda com mais.

A reunião, dividida em três blocos, contou com, no primeiro, do pronunciamento das solicitantes da Audiência Pública, a Fonasc (Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas) e da comunidade do Morro DÁgua Quente, representada pela moradora Sandra Vita.

Após o pronunciamento das partes, que questionaram o efeito legal daquela Audiência – cobrando novo projeto, novo estudo para licenciamento agora apenas do Pico São Luiz, a empresa fez sua apresentação focando apenas na exploração deste último.

Mesmo se houvesse mais tempo não seria possível apresentar com profundidade um projeto tão complexo, principalmente após o mesmo ter sido mutilado para atender a reivindicação e a legislação da cidade.

Pela empresa fez a abertura Heloísa Oliveira, responsável pelas operações da Vale no complexo de Mariana – ao qual está vinculada a mina de Fazendão.

Já no segundo bloco foi aberto à participação da comunidade que puderam expor seus questionamentos, quando após estes a empresa, através de profissionais das áreas específicas, tentariam responder.

Tarefa difícil os empregados da Vale tiveram que enfrentar, já que demonstraram não ter respostas para a maioria dos questionamentos.

“A empresa se portou como um cachorro tentando morder o próprio rabo – deu voltas, deu voltas e não chegou a lugar nenhum”, disse ASF, que vive de comércio e está preocupado com a questão econômica do município – ele disse ainda que não é contra a mineração, informando depender indiretamente dela, mas não concorda com as explorações em Almas e Tamanduá: “Sou nascido e criado aqui, minha saudosa mãe admirava tanto essa serra, ela é parte de nós, não acho justo derrubar ela (sic) pra tirar minério, tira em outro lugar”.

Muitas críticas

Durante as manifestações inúmeras críticas foram direcionadas à empresa.

O empresário do ramo do turismo Allaoua Saadi, professor doutor da UFMG, com larga experiência na área de Geociências, com ênfase em Geomorfologia foi um dos grandes críticos ao Rima apresentado pela empresa.

Utilizando do tempo concedido a todos, três minutos, foi o suficiente para o professor colocar em cheque todo o projeto apresentado até então pela Vale, e ainda lançou um desafio a qualquer um que apresentasse ali um estudo de impacto.

Já um doutorando da UFMG disse que o Rima apresentado pela Vale é, no mínimo, fraco.

Ponto comum entre todos os moradores do Morro DÁgua Quente foi o descumprimento pela Vale das condicionantes atuais.

Sandra Vita informou que o caso já estaria protocolado junto ao Ministério Público.

Outra crítica contundente foi sobre a credibilidade da empresa – muitos argumentaram como poderiam acreditar na empresa se as declarações dela, provadas como inverídicas, levaram à morte mais de 250 pessoas, a maioria de seus próprios funcionários.

Quem também teceu duras críticas à empresa foi o Frei Gilvander Luís Moreira, padre da Ordem dos carmelitas e assessor da CPT/MG (Comissão Pastoral da Terra).

Após ter tido seu microfone cortado passados os três minutos pré definidos, o Frei continuou disparando contra a empresa: “Não precisamos de mais mineração no Brasil, 5% apenas já bastariam”, bradava enquanto o coordenador dos trabalhos tentava controlar a situação.

O estudante de direito Guilherme Henrique questionou os funcionários da Vale presentes no local dizendo que essa luta é em favor deles também – “Eu não contra a mineração, sou a favor da vida, meu pai trabalhou e aposentou na Vale, morreu com problema de coluna, morreu de depressão, de alcoolismo, o profissional da Vale está com depressão”, desabafou.

Um pronunciamento de destaque foi do médico Thiago Jeremias. O médico que atua na cidade iniciou sua fala dizendo que a cidade não pode se permitir que ela seja dividia: “Acho que é muito importante dizer aqui que a gente não pode começar a brigar com a gente mesmo, não podemos cair no erro de dividir a cidade nos que são contra e nos que são a favor da mineração, temos que fortalecer a comunidade para discutir um assunto que até agora não foi discutido – o que vamos fazer quando acabar a mineração, nada está sendo feito até o momento”.

Continuando, o médico disse que ao longo de 12 anos atuando na cidade, incluindo dentro da própria Vale, realizou mais de 22 mil consultas e disse que a Vale não tem noção do mal que a incerteza faz no funcionário e em quem depende da empresa, citando essa parada que aconteceu trouxe falta de sono, alcoolismo: Isso é muito ruim, a Vale não estava com um trator e de repente bateu numa pedra e oh, acabou a mineração, vamos ter que parar, vocês sabiam disso, avisam antes, avisem as autoridades com antecedência, trabalhem com mais dignidade para que as pessoas não sejam tão agredidas no psicológicos como hoje elas são, não vamos vaiar a gente mesmo, é muito ruim quando a gente vaia a agente mesmo”, completou.

Saiba mais

A mineradora Vale voltou atrás e vai retirar a retomada das atividades nas cavas de Tamanduá e Almas do processo de expansão do Complexo da Mina de Fazendão.

O anúncio foi feito aos gestores de Catas Altas no final da tarde dessa quinta-feira, 5 de março, antes da realização da audiência pública no município.

Na última terça-feira, dia 3 de março, o executivo já havia reforçado o pedido para retirar as duas cavas do processo de expansão. Os representantes da empresa haviam informado que entrariam em contato com os superiores para averiguar a viabilidade de atender à solicitação.

“Essa foi uma vitória para toda população de Catas Altas. Estamos desde 2017 batalhando pela preservação do nosso bem maior que é a água. Água que não é só para o Morro D’Água Quente, mas para toda a cidade”, comemorou o vice-prefeito Fernando Rodrigues Guimarães.

O Prefeito José Alves Parreira completou que o município agora aguarda a retomada dos trabalhos na cava São Luiz dentro do Complexo Fazendão. Os trabalhos estão paralisados desde o dia 29 de fevereiro.

Interrupção forçada

Durante a reunião de terça-feira a administração cobrou explicações sobre a paralisação da mina de Fazendão, sabendo que a empresa tem um rigoroso planejamento sobre toda suas operações.

A empresa, sob um pedido de desculpas, tentou enfiar goela abaixo dos gestores que se tratou de uma falha de comunicação.

“Um participante da reunião vazou ao Tribuna que esse fato gerou mais críticas ainda, já que todos sabem que os acontecimentos dentro da uma empresa do porte de mineração conta com uma famosa rede de comunicação conhecida como “Rádio Pioneira” e que, se houvesse mesmo dentro do planejamento da empresa paralisar as operações, mesmo que fosse daqui um ano, todos já estariam sabendo através desse meio de comunicação, que até aumenta, mas não inventa e nada foi comentado no meio”, confidenciou.

Novo projeto, novo licenciamento, novo processo

Segundo especialista consultado o processo terá que ser refeito, claro que aproveitando grande parte do já existente, porém, conforme já denunciado, os estudos terão que ser apresentados e novas audiências terão que ser programadas.

tp

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