Ampliação de Fazendão ameaça Serra do Caraça

O licenciamento para a Ampliação de Fazendão (AF), tem se revelado um verdadeiro “angu de caroço”, que no linguajar popular quer dizer que alguém estaria escondendo algo.

O termo – “Angu de caroço” ou “Tem caroço nesse angu” tem sua origem em um truque realizado pelos escravos para melhor se alimentarem – geralmente os escravos se alimentavam apenas de angu, então as escravas que trabalhavam na cozinha, para melhorar a alimentação dessas pessoas, escondiam pedaços de carne ou torresmo em meio ao angu.

Voltando ao “angu de caroço” do licenciamento da AF, desde quando nasceu a intenção da empresa em ampliar o Complexo Fazendão, em 2002, ou seja, há 17 anos, já era percebido uma inconsistência no projeto.

Ainda naquela época, o ex-prefeito Juca Hosken – durante audiência pública em 2003, revelou: “Na época que eu era vereador por Santa Bárbara, considerávamos como área de preservação permanente esse visual aqui do município de Catas Altas, abrangendo logicamente o Morro DÁgua Quente e Catas Altas. Temos a abrangência da Mina de Boa Vista que não tem possibilidade de ser explorada, o Pitangui, Malaco, Almas, Tamanduá e o Pico São Luiz – isso geraria recursos permanentes para o município de Catas Altas, através do ICMS Ecológico”, disse solicitando que modificassem o projeto, excluindo essas áreas.

Documentos desaparecem

Em 2015, poucos meses antes da fatídica tarde do dia 5 de novembro, quando a barragem de Fundão se rompeu e destruiu a histórica comunidade de Bento Rodrigues, matando 19 pessoas, se transformando no maior crime ambiental do país, o Codema (Conselho de Defesa do Meio Ambiente) de Catas Altas se reunia para deliberar sobre a AF.

Após calorosa reunião, com conselheiros sendo acusados de estarem votando como “funcionários da Vale”, onde a ata expôs mais dúvidas que entendimento dos fatos pelos presentes, foi aprovada, com ressalvas, a anuência para o empreendimento.

Entretanto, nos anos de 2017 e 2018, o Codema, que havia renovado seu quadro de conselheiros, sob nova presidência, diante dos acontecimentos trágicos do final de 2015, procurou os documentos para que fossem novamente analisados – e, para surpresa de todos, as Atas e demais documentos dos anos anteriores simplesmente haviam desaparecido.

Além de desaparecimento desses documentos, as raras Atas e Lista de presença se apresentavam sem assinatura, portanto, desprovidos de valor legal.

O fato do desaparecimento foi registrado em atas do ano 2017 quando também foi solicitado a abertura de uma investigação sobre a situação, pelo setor jurídico do município – investigação essa que, não teria acontecido e ou não apresentado resultado.

Parecer critica relatório

Ainda no ano de 2017, o codema solicitou ao engenheiro ambiental Bernardo Borba Carneiro um parecer técnico sobre o relatório apresentado pela empresa referente ao impacto da Ampliação de Fazendão ao Patrimônio Cultural de Catas altas.

Na ocasião foi detectado pelo engenheiro uma série de vícios no documento, erros de português, de formatação, incongruências de parâmetros, entre outros itens que não ofereciam condições para que houvesse uma análise consistente da realidade, chegando o profissional a seguinte conclusão, encerrando o parecer: “Para finalizar, acredito que o relatório precise de modificações para que possa ficar mais claro e de fácil compreensão pelos leitores e membros do Codema”, assinou o engenheiro.

Anuência do Compac

Dando sequência ao processo, a Vale, insistindo com o projeto que já havia recebido críticas em todas as suas disposições, inicia uma cobrança de uma Carta de Anuência e ou Conformidade, que deveria ser dada pela Secretaria de Turismo, informando que o projeto de Ampliação de Fazendão não geraria impactos no patrimônio cultural do município.

Na época, o turismólogo Lucas Nishimoto, Secretário de turismo e cultura de Catas Altas, solicitou pareceres a vários profissionais de diversas áreas – sendo todos categóricos em afirmar e confirmar o impacto destrutivo que a AF traria para o município.

Diante do fato o Secretário não assinou e revelou que, durante inúmeras vezes teria recebido pressão indireta para que o fizesse.

No final de 2018, Lucas Nishimoto resolveu entregar seu cargo, e logo após, em janeiro de 2019, foi nomeado para assumir a Secretaria de Turismo o advogado de Santa Bárbara, Rodolpho Henrique de Oliveira Sanches.

No dia 29 de outubro, uma reunião do Compac, com a presença do número mínimo para votação, os conselheiros Diego Paulinely Ferreira, Ivana Coeli Gomes Perdigão, Isabel do Rosário Batista da Paixão, Rodrigo Breno de Oliveira e Vanda Lucia Gomes, sem ter conhecimento ou ignorando o parecer técnico do engenheiro Bernardo Borba Carneiro, deram parecer favorável para expedição de declaração de conformidade para a AF – o que, traduzindo, declararam que a Ampliação do Fazendão não gerará impacto no Patrimônio Cultural do Morro DÁgua quente e nem em Catas Altas.

Codema decide rever declaração de conformidade

Em conversa com o atual presidente do Codema, engenheiro Bernardo Borba Carneiro (o mesmo que tinha assinado parecer contrário, em 2017), foi questionada sobre a conformidade dada a AF pelo conselho em 2015, já que após as tragédias de Bento Rodrigues, muita coisa havia mudado, inclusive a legislação.

Diante da solicitação de informação, Bernardo informou que em reunião do Codema no último dia 10 de dezembro, por unanimidade, foi definido que essa conformidade deveria ser revista e que o conselho estaria oficiando o executivo do ato.

Esclarecendo a Ampliação do Fazendão

Ouvindo especialista na área de geologia, o Bom Dia Catas Altas buscou esclarecer alguns pontos básicos sobre esse “Angu de Caroço”.

O que é a AF?

Projeto para ampliar a área atual da Mina do Fazendão, passando por cima da Mina São Luíz para liga-la às minas desativadas de Tamanduá e Almas.

Vai gerar mais dinheiro para o município?

Não, não terá acréscimo de CFEM, visto que, segundo a própria Vale, não estará aumentando o nível de produção, mas ampliando o horizonte de trabalho. Além do mais, mesmo que isto fosse acontecer, a extração declarada teria duração de apenas 2 anos, o que não resultaria em acréscimo de CFEM que justificasse a degradação atrelada.
Inclusive a Vale deve cerca de R$3,5 milhões ao município e teria depositado em juízo esse valor, contestando o mesmo.

Vai gerar mais emprego?

Não. Porque, segundo a Vale, como considera tratar-se apenas de mudança de área, os funcionários atuais serão deslocados para trabalhar. No máximo, haverá 11 empregos temporários para abrir uma estrada de chão entre as minas. Na realidade, esta estrada já foi aberta, dispensando qualquer necessidade de trabalhador extra.

O que a comunidade do Morro ganha com isso?

Estritamente Nada. O Morro receberá todos os impactos diretos da exploração: poeira de sílica (com aumento do risco de doenças), ruído, detonações (considerar as vibrações que tendem a gerar trincas nas casas, Igreja), poluição da água, baixa vazão da água das nascentes devido ao rebaixamento do lençol freático, interdição de acesso ao que sobra de cachoeiras, depredação da paisagem com seu potencial de uso turístico (confere impacto sobre as feiras de produtores locais).

O projeto do empreendimento afirma que haverá o rebaixamento do lençol freático e alteração da qualidade da água, mas, como medida para minimizar os impactos só propõe o programa de monitoramento e controle da qualidade da água para abastecimento público. O projeto também não cita monitoramento das nascentes de proprietários rurais e medidas para evitar que o olho d’água seque.

Já a sede, Catas Altas sofrerá indiretamente também: poluição das nascentes e seu rebaixamento que inviabilizaria seu abastecimento em condições dignas. Por outro lado, já se identificou o risco de rompimento da barragem do Mosquito. (Vejam todos os efeitos relatados na próxima página).

Então porque a Vale está alegando que existe ganho para a comunidade?

Trata-se de um minério fácil de extrair e conduzir ao beneficiamento, para completar suas necessidades contratuais que foram atrapalhadas pela imobilização da Mina Samarco entre outras devido a risco de rompimento de barragens. Trata-se de uma política de extração predatória.

Mas então ela estaria mentindo?

Investigações dão conta que ela sabia da existência de problemas sérios em suas barragens, tanto em Fundão quanto em Brumadinho, no entanto, entre a produção e o risco para as vidas humanas, ela teria preferido a produção.

Recentemente seu diretor jurídico foi gravado pela polícia com autorização da justiça, orientando os funcionários a esconderem informações sobre barragens – alegando ser mais lucro para a empresa pagar multa que informar a verdadeira situação.

Então, afinal, quem ganharia com isto?

Só a Vale.

tp

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