Micro contaminantes nas águas de consumo preocupam cientistas

Os contaminantes emergentes são objetos de estudos em todo o mundo. Na Bacia do Piracicaba a Expedição Piracicaba em parceria com a UNIFEI e UFOP pesquisará 13 compostos.

Você já parou para pensar no que acontece com os medicamentos que você consome? Ao tomar um remédio para dor de cabeça, por exemplo, uma parte de seu princípio ativo (nesse caso, a substância responsável pelo alívio da dor) é utilizada para o efeito terapêutico em nosso organismo; outra parte é metabolizada pelo corpo; e outra, eliminada inalterada pela urina ou pelas fezes.

A partir daí, duas rotas diferentes podem ocorrer. Se sua casa está conectada à rede de esgoto e sua cidade possui uma ETE, esse princípio ativo passará pela estação de tratamento – na qual pode ser total ou parcialmente eliminado, a depender da substância e do tipo de tratamento implementado nas ETE – antes de desembocar em alguma fonte de água. Caso contrário, ele será despejado integralmente no curso dágua mais próximo.

Agora imagine que, além do seu remédio para dor de cabeça, vão parar na água todos os outros remédios como os antibióticos, anti-inflamatórios, hormônios naturais e consumidos pelo restante da população e pelos animais que recebem tratamentos veterinários. Isso sem contar os medicamentos vencidos que são descartados de maneira inadequada, uma infinidade de plásticos descartados irregularmente e agrotóxicos sem controle que acabam contaminando rios e solo.

Preocupante

Cientistas de todo o mundo têm se dedicado ao estudo dos chamados contaminantes emergentes na água, que são resíduos de plásticos, fármacos (consumidos como anticoncepcionais e analgésico e diversos outros) e hormônios naturais e sintéticos que afetam rios e lagos de todo o planeta.

O termo “micro contaminantes emergentes” se deve ao fato de que as pesquisas na área são relativamente recentes – iniciadas no final dos anos 90 – e ainda não há legislação específica que regule a presença desses compostos nos recursos hídricos. Além disso, são denominados de micro contaminantes uma vez que são encontrados nos recursos hídricos naturais na ordem de grandeza de micrograma (10-6 g) e nanograma (10-12g), mas mesmo nessas baixas concentrações podem afetar a saúde humana e de toda fauna existente na natureza (USEPA, 2010) .

Há inclusive alguns estudos que relacionam a presença de hormônios femininos e outros contaminantes na água com a feminização de peixes e a formação de óvulos em animais machos de pequeno porte, indicando que mesmo em pequenas quantidades, a utilização e descarte incorreto desses compostos podem levar ao colapso de algumas espécies (USEPA).

Outro grande problema que pode ser causado pela contaminação de fármacos se refere ao desenvolvimento de superbactérias resistentes a antibióticos.

A resistência aos antibióticos surge quando os micro-organismos que causam uma infecção sobrevivem à exposição ao medicamento que, normalmente, deveria eliminá-los. Essas bactérias sobreviventes irão crescer e se reproduzir, difundindo essa capacidade de sobrevivência aos seus descendentes. Apesar de a resistência ser um processo natural que ocorre desde que os primeiros antibióticos foram descobertos, o uso indiscriminado desses medicamentos, assim como o seu descarte irregular nos recursos hídricos, pode acelerar o processo de adaptação e de resistência dessas bactérias, e as doenças causadas por elas, por consequência, ficam cada vez mais difíceis de serem tratadas.

Mortes

Um relatório elaborado pelo órgão britânico Review on Antimicrobial Resistance indica que 700 mil pessoas morrem todos os anos no mundo devido à resistência das superbactérias a antibióticos. E, em 2050, esse número deve chegar aos 10 milhões.
Serão mais pessoas morrendo devida à resistência das superbactérias do que as que morrem de câncer atualmente, tudo isso devido a essa contaminação sem controle das fontes de abastecimento de água de consumo.

Legislação

No Brasil, os parâmetros de potabilidade da água são determinados pela portaria de Consolidação de Nº 5, de 28 de setembro de 2017, publicada pelo Ministério da Saúde. Essa norma prevê, entre outras questões, as características aceitáveis da água para consumo humano, como os valores máximos permitidos para várias substâncias químicas que representam risco à saúde, incluindo uma diversidade de características como turbidez, cor, metais (ferro, manganês, arsênio), pH, micro-organismos, cloro e outros mais complexos como agrotóxicos e pesticidas. Não há, entretanto, qualquer previsão para fármacos ou hormônios nessa legislação vigente.

Contudo, nos países desenvolvidos além de estudos que demonstram os principais problemas do consumo sem controle desses compostos, suas legislações já incluem a necessidade de eliminação dos micro contaminantes emergentes das águas de consumo humano.

Mesmo que esses compostos ainda não estejam presentes na legislação vigente de águas de abastecimento, estudos já demonstram que existem tecnologias para serem implantadas e utilizadas para remoção desses compostos (Lima, 2017).

Bacia do Rio Piracicaba e os micro contaminantes

A bacia do Rio Piracicaba recebe todas as principais fontes de lançamento dos micro contaminantes como o esgoto sanitário, efluentes industriais e hospitalares, descartes de resíduos sólidos e chorume de aterro sanitário.

A Expedição Piracicaba, em parceria com a UNIFEI, que promoveu a coleta de material e da UFOP que está realizando as análises, estará monitorando treze micro contaminantes, sendo eles: Fármacos: naproxeno, diclofenaco, ibuprofeno, paracetamol e gemfibrozila; Plastificantes: bisfenol-a; 4-nonilfenol e 4 octilfenol; Hormônios naturais: estradiol; Metabólicos de fármacos: estrona e estradiol; Marcador de contaminação antropogênica: cafeína.

Resultados da Expedição

Com a realização do monitoramento desses micro contaminantes nas águas da Bacia do Rio Piracicaba os resultados da Expedição Piracicaba poderão contribuir para a atualização do real cenário da bacia. Com isso, será possível quantificar, significativamente, os poluentes e suas fontes de lançamento. Além disso, os resultados poderão orientar a necessidade de diminuição dos lançamentos incorretos desses compostos com a implementação de ações, atividades e instalação de ETEs. Destaca-se também que os resultados da expedição irão orientar as ETAs com quais tecnologias de tratamento poderão implementar para evitar que a população abastecida consuma águas contaminadas.

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