Tragédia de Brumadinho completa seis meses

Inúmeras cidades correm risco de terem o mesmo destino

Geral – Seis meses depois do mais grave desastre humano na história da mineração no Brasil, que deixou 248 mortos e mantém outros 22 desaparecidos em meio ao mar de lama liberado pela Mina Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, o poder público ainda não conseguiu se mobilizar em torno de uma vigilância eficaz para afastar o risco de novas tragédias.

Não houve incremento significativo na fiscalização federal comandada pela Agência Nacional de Mineração (ANM), mas o órgão sustenta que adotou determinações importantes de segurança, enquanto a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) garante que superou a meta e vistoriou 340 atividades minerárias e 88 barragens de janeiro a junho deste ano.

Na avaliação de especialista do setor, a fiscalização só progride empurrada pela pressão popular e o avanço mais concreto em termos de segurança para quem vive no entorno de 43 reservatórios de rejeitos construídos pelo método do alteamento a montante – formato que oferece o maior risco – ainda é uma promessa: diz respeito à obrigação de descomissionamento desses reservatórios até fevereiro de 2022, com base em lei estadual, e até 2023 segundo determinação federal.

Com a necessidade de aguardar quase três anos para que a ameaça das barragens de montante seja totalmente eliminada, os esforços do poder público se voltaram nos últimos meses para os reservatórios que tiveram elevação do fator de risco e chegaram ao nível 3 de segurança, o mais alto fator pré-rompimento.

Hoje, quatro barragens, todas da Vale, estão nessa condição: B3/B4, em Macacos (comunidade de Nova Lima), Forquilhas I e III, em Ouro Preto, e Sul Superior, em Barão de Cocais.

Paliativo

Na avaliação do professor Evandro Moraes da Gama, titular do Departamento de Engenharia de Minas da UFMG, a principal frente de ação do poder público 180 dias depois que a lama varreu parte da comunidade de Córrego do Feijão é a determinação para descomissionamento das barragens a montante. Acabar com esse tipo de reservatório foi o caminho apontado por ele próprio e por outros especialistas, em recomendações feitas ao Ministério de Minas e Energia.

Mas a solução do problema não se encerra nessa medida. “Temos que terminar com esse tipo de armazenamento, mas qual outro existe? Vamos continuar com montanhas de areia onde eram as barragens? Esse é um passo, mas muito mais que isso, temos a necessidade de retirar os resíduos e transformá-los em produto. As tecnologias estão aí: temos a possibilidade de fazer cimento e areia e a partir dos dois se faz o concreto, a segunda substância mais usada no mundo”, diz o especialista. Ele enfatiza a necessidade de incrementar a economia com a circulação dos chamados subprodutos, coisa que ainda está muito longe de acontecer em Minas Gerais.

Pressão

Quando o assunto é fiscalização, o especialista garante as melhorias só vieram a partir da população, que tem denunciado os riscos das barragens. “Esse tipo de fiscalização está ocorrendo. O povo vai às ruas, reclama, os estudiosos falam. Agora, no âmbito do Ministério das Minas e Energia (MME) não foi feito quase nada com relação à fiscalização. Nos Estados Unidos quem fiscaliza barragem são a academia e o Exército. As universidades formam uma comissão de especialistas que vão olhar o que está acontecendo nas represas”, diz Gama.

A pouca mudança em relação à fiscalização de barragens por parte do poder público federal é admitida pela própria Agência Nacional de Mineração (ANM), que diz ter ganho 34 servidores federais cedidos de outros órgãos pós-tragédia de Brumadinho, mas apenas oito destinados diretamente para a área de barragens.

Apesar de admitir que a entrada de novos fiscais não ampliou a capilaridade da fiscalização, a ANM destaca que a Resolução 4, de 15 de fevereiro, trouxe mudanças importantes para o setor. Entre eles, a agência destaca a proibição da construção ou alteamento de barragens a montante em todo o país, a determinação de a partir de 15 de agosto proibir instalações que incluam a presença humana nas zonas de autossalvamento abaixo dos reservatórios e a proibição de manter barramentos para efluentes líquidos imediatamente após as represas de rejeitos. Essa última medida tem prazo de adequação até 15 de agosto de 2020.

As mineradoras têm até 15 de fevereiro do ano que vem para viabilizar sistemas capazes de monitorar essas estruturas 24 horas por dia. Por fim, a agência também deliberou pelo descomissionamento das barragens construídas pelo método de montante. O prazo dado para as represas desativadas é 15 de agosto de 2021, enquanto para as que estão em funcionamento é 15 de agosto de 2023, com obrigatoriedade de parar as atividades dois anos antes.

Determinações

Já a Semad destaca entre as determinações pós-desastre a Resolução 2.762/2019, de 29 de janeiro, que suspendeu todos os processos relativos à atividade de disposição de rejeitos em barragens de mineração no estado, independentemente do método construtivo. A Semad informou ainda que as mineradoras responsáveis enviaram dentro do prazo de 90 dias, contados a partir de fevereiro, o cronograma contendo o planejamento de descaracterização de todas as 43 barragens a montante em Minas. Em março deste ano foi publicada a resolução para criação do comitê que vai definir as ações necessárias para descomissionar as barragens. A primeira reunião desse grupo está marcada para 8 de agosto.

Meta é mais rigor

O procurador-geral de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, Antônio Sérgio Tonet, disse que antes do desastre o poder público ficava na mão das empresas. “Muitas vezes, as mineradoras certificam (seus empreendimentos) de uma forma não muito conveniente, com dados não reais, até mesmo falsificando o certificado de segurança, e o poder público fica nas mãos dessa situação. Então, o que nós estamos buscando é um marco regulatório não só estadual, como já foi feito pela Assembleia Legislativa, mas principalmente pelo Parlamento nacional. Um marco que imponha uma responsabilidade maior das empresas e também do poder público”, afirma. O pós-tragédia tem sido marcado por um acompanhamento maior dos órgãos de controle, segundo ele, que se estende também às empresas que certificam a segurança das barragens.

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