Expedição “Aves do Piracicaba”, em busca do jacu-estalo

 Expedição “Aves do Piracicaba”, em busca do jacu-estalo

Texto e fotos: João Sérgio

Alguns meses após sua concepção, a “Expedição Aves do Piracicaba”, em busca do jacu-estalo, enfim se concretizou no primeiro final de semana de 2025.

A empreitada contou com a presença e apoio fundamental do editor do jornal e ativista ambiental, o Dindão, do guia ornitológico, Henrique Junior e deste que vos escreve já há alguns anos sobre as aves da bacia do Rio Piracicaba.

E a primeira expedição Aves do Tribuna foi ambiciosa, procurando registrar a espécie mais “difícil” entre todas que ocorrem na bacia.                                    

Se chamamos de “fantasma” a ave difícil de se avistar na Natureza, poderíamos nomear o jacu-estalo como “fantasma mor”, verdadeira entidade hierarquicamente superior da nossa bacia. 

Até pouco tempo atrás havia pouquíssimos registros fotográficos dele, grande parte por armadilhas fotográficas. 

Mas graças a um grande pesquisador maranhense, o Luis Morais, que faz doutorado sobre Neomorphus geoffroyi (como o jacu-estalo é conhecido cientificamente), as chances de registrá-lo aumentaram significativamente, levando observadores de todo mundo ao Maranhão. 

Ele desenvolveu um método de atração que tem se mostrado muito eficaz e tem possibilitado não só um incrível aumento dos registros, como também um maior conhecimento dessa furtiva espécie.

Principalmente animados por essa novidade, em 2023 fomos ao Maranhão para tentar também registrar o jacu-estalo, e apesar de dois dias intensos de buscas, em que encontramos 5 exemplares, não houve nenhuma chance para fotos. Ou só os ouvíamos, ou no máximo vimos vultos correndo, em velocidades insanas, sobre a serrapilheira (lembram do desenho do coyote e do beep-beep? Pois é, ele é “primo” desse último).

O jacu-estalo

O jacu-estalo é uma espécie ameaçada de extinção que ocorre em áreas arbóreas preservadas da Amazônia, Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica.

A subespécie que ocorre no PERD, Neomorphus geoffroyi dulcis, recebeu esse nome em referência à bacia do Rio Doce, onde vivia em suas outrora vastas florestas de baixada. 

Essa subespécie, devido ao desmatamento de tais florestas, atualmente se encontra ainda mais ameaçada, sobrevivendo, até onde se sabe, somente nos dois maiores fragmentos que restaram, PERD e as reservas contíguas de Sooretama e da Vale, próximas à foz do Rio Doce. 

Tem uma história famosa que diz que foi devido ao jacu-estalo que o ornitólogo alemão Helmut Sick veio ao Brasil. O grande cientista acabou fixando residência aqui e se tornou um dos “papas” da ornitologia nacional. Suas pesquisas resultaram numa obra que é considerada a bíblia da ornitologia brasileira.

São muitos fatos que tornam essa ave lendária entre nós.

Registrar uma espécie tão elusiva, pouco conhecida e de comportamento e morfologia tão extravagantes, é um verdadeiro sonho para observadores de todo mundo.

Nessa tentativa de registrar Neomorphus geoffroyi dulcis, contamos com o guia ornitológico Henrique Junior, que conhece muito bem seu último refúgio mineiro e que recebeu pessoalmente os conhecimentos e técnicas necessárias do Luis Morais.

A “Expedição”

E lá fomos nós, sabedores que a missão quase impossível de registrar o jacu-estalo no Parque Estadual do Rio Doce (PERD), agora já era um sonho realizável.

Pouco depois de adentrarmos a estrada que corta o parque, começamos a nos deparar com árvores caídas devido às chuvas torrenciais que castigaram a região, o que prejudicou um pouco a expedição. 

Munidos de um machado e de poucos braços, fomos liberando a estrada até nos depararmos com uma grande e intransponível árvore.

Um dos pontos mais promissores do bicho ficava muito distante desse lugar, não seria possível acessá-lo a pé, mas o Henrique já o tinha visto também bem próximo dali. 

Apesar de não ter as mesmas condições propícias, lá fomos nós, novamente cheios de esperança, e após breve caminhada, o ponto alto de toda expedição, ouvimos uma resposta ao “playback”!!! Um som baixo, “diferentão”, diria até fantasmagórico, literalmente arrepiante. 

A entidade almejada por observadores de todo mundo estava ali, dividindo o mesmo espaço natural conosco, transformando, em solo sagrado, um caos de cipós, troncos e folhas. 

Um dos últimos refúgios de uma ameaçadíssima subespécie que provavelmente será alçada a espécie plena e já nascerá criticamente ameaçada pela destruição insana promovida pelo Homo sapiens.

E sem dar mais nenhum sinal de sua presença nas próximas horas que por ali o procuramos e nem no dia seguinte, comprovou-se mais uma vez sua fama fantasmagórica.

É incrível como um bicho de 50 cm de comprimento pode ser tão discreto. 

De duas, uma. Ou ele ficou ali, escondido, o tempo todo, ou moveu-se de forma absurdamente silenciosa. 

E apesar de todos os esforços envidados, incluindo construção de esconderijos e horas de espera sob ataque de insetos vorazes e calor exorbitante, isso foi o máximo que conseguimos. 

Na fotografia de aves nem tudo são flores.

Outros “fantasmas” registrados

Durante as buscas (e graças à excelente camuflagem usada pelo nosso guia) pudemos fazer bons registros de outras espécies consideradas fantasmas ou difíceis de registrar, como o inhambu-chintã e o flautim-marrom. Esse último, em Minas Gerais, é praticamente só encontrado no PERD. 

Outras espécies registradas, quase exclusivas do PERD (em terras mineiras), foram o bico-virado-miúdo, o surucuá-de-barriga-amarela e o vissiá. 

Já no último dia, durante nossa partida, registramos uma fotogênica biguatinga secando suas penas.

Bem pessoal, paciência e persistência são fundamentais para a fotografia de aves. 

 

Aguardemos a próxima oportunidade, certos de que não desistiremos até conseguirmos compartilhar a exótica beleza dessa que é uma das espécies mais raras e fantásticas da nossa bacia, o jacu-estalo.

João Sérgio João Sérgio

João Sérgio

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