Microcontaminantes emergentes – os novos vilões
As atividades antrópicas têm acarretado descartes incorretos de diversos poluentes nos corpos d’água. Dentre tantos poluentes, destaca-se os microcontaminantes emergentes os quais são, por exemplo, diversos medicamentos, produtos de beleza, plastificantes e outros compostos imensamente utilizados pela população. De acordo com a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (USEPA, 2010) os microcontaminantes emergentes também conhecidos como desreguladores endócrinos são “agentes exógenos, que mesmo em concentrações-traço (ng/L ou µg/L) possuem a capacidade de interferir diretamente no sistema endócrino e consequentemente na manutenção, reprodução, desenvolvimento e no comportamento dos organismos”.
Fontes de descarte
Todos esses microcontaminantes emergentes são imensamente utilizados pela população brasileira e são descartados de forma incorreta, diariamente, nos cursos d’água. A estrutura sanitária menos consolidada no Brasil pode explicar o porquê das concentrações desses compostos detectadas em águas brasileiras serem, em sua maioria, superiores às relatadas em países desenvolvidos como EUA, Espanha, Alemanha e Canadá (Ghiselli & Jardim, 2007). Esses descartes ocorrem através do lançamento de águas residuárias, de origem doméstica, hospitalar ou industrial, sem o devido tratamento adequado, principalmente nas regiões com elevada densidade populacional e durante os períodos de estiagem.
Consumo de água e os microcontaminantes
Após o descarte incorreto, esses compostos são encontrados em concentrações muito baixa nos cursos d’água, mesmo assim têm chamado a atenção da comunidade científica devido a possibilidade de danos e efeitos adversos ao meio ambiente e à saúde humana caso esses compostos estejam presentes nas águas de abastecimento público (Bergman et al., 2012). Já é comprovado que tanto os fármacos quanto os desreguladores endócrinos podem acarretar diversos efeitos prejudiciais à fauna aquática, podendo propiciar diversos danos como feminização de machos; declínio na capacidade de reprodução; ocorrência de óbitos e danos a descendentes (Robinson et al., 2003). Os estudos pioneiros de detecção de microcontaminantes no meio ambiente remetem à década de 1970 nos Estados Unidos da América (Garrison et al., 1976). No Brasil, os trabalhos pioneiros sobre o tema foram publicados em meados da década de 1990 por Ternes et al. (1999) e Stumpf et al. (1999), que monitoraram alguns microcontaminantes no esgoto (bruto e tratado) e em águas naturais no Rio de Janeiro.
Em Minas Gerais as pesquisas iniciais foram realizadas por Moreira et al. (2009; 2011) Rodrigues (2012), Quaresma (2014) e Dias (2014) os quais apresentaram dados de monitoramento de diversos microcontaminantes em águas naturais em distintas épocas do ano (estiagem e chuvosa), incluindo águas da bacia do Doce. Esses estudos evidenciaram a grande diversidade de compostos presentes nas águas superficiais monitoradas, bem como a amplitude de concentração dos compostos detectados em águas mineiras.
Portaria de potabilidade de água
A Portaria em vigência Consolidação de número 5 do Ministério da Saúde (Brasil, 2017), que estabelece os procedimentos e responsabilidades relacionados ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade, não contempla os microcontaminantes emergentes. Devido a isso, as concessionárias de águas brasileiras ainda não fazem o devido monitoramento e tratamento para detecção e remoção desses compostos. Nesse cenário, as populações que fazem uso dessas águas contaminadas estão em constante consumo desses microcontaminantes emergentes.
Tratamento de águas e os microcontaminantes
O tratamento convencional de águas de abastecimento é constituído das etapas de coagulação, floculação, sedimentação/flotação, filtração e desinfecção. Contudo, em águas com presença de microcontaminantes somente o tratamento convencional não é suficiente para a remoção completa (Lima et al., 2017). Com o avanço da tecnologia, novos tratamentos já estão disponíveis no mercado com elevadas eficiências de eliminação dos microcontaminantes emergentes.
Exemplo dessas técnicas de tratamento são processos que envolvem adsorção com carvão ativado, as quais são as que apresentam melhor custo-benefício, uma vez que proporcionam elevadas eficiências de remoção (em geral superiores a 95%). Outra tecnologia que se destaca são os processos oxidativos avançados (POA) que atingem eficiências de remoção superiores a 98%, porém possuem consumo elevado de energia. Também existe o processo de separação por membranas que apresentam eficiência de remoção variável e dependente do tipo de material empregado (Lima et al., 2017). A adoção de tais sistemas complementares de tratamento envolve uma análise econômica detalhada e requer estudos específicos como este para otimizar as condições operacionais às particularidades da água bruta.
Bacia do Rio Piracicaba e os microcontaminantes
A bacia do Rio Piracicaba recebe todas as principais fontes de microcontaminantes como os esgoto sanitário, efluentes industriais e hospitalares e descartes de resíduos sólidos. A expedição irá monitorar treze microcontaminantes, a saber:
Fármacos: naproxeno, diclofenaco, ibuprofeno, paracetamol e gemfibrozila;
Plastificantes: bisfenol-a; 4-nonilfenol e 4 octilfenol;
Hormônios naturais: estradiol;
Metabólicos de fármacos: estrona e estradiol;
Marcador de contaminação antropogênica: cafeína.
Resultados da Expedição
Com a realização do monitoramento desses microcontaminantes nas águas da Bacia do Rio Piracicaba os resultados da Expedição Piracicaba poderão contribuir para a atualização do real cenário da bacia. Com isso, será possível quantificar, significativamente, os poluentes e suas fontes de lançamento. Além disso, os resultados poderão orientar as ETA com quais tecnologias de tratamento poderão implementar para evitar que a população abastecida consuma águas contaminadas.